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domingo, 11 de dezembro de 2011

Maricá- Niterói


Ivo Pitanguy, o voluntário que ajudou Niterói em umas das piores tragédias 

Há 50 anos, cirurgião e outros voluntários dedicaram-se ao tratamento das vítimas do incêndio no circo que matou mais de 500. Clique aqui e assista ao vídeo na TV O FLU
* Assista ao vídeo na TV O FLU (www.tvoflu.com.br)
Depois de uma exaustiva divulgação pela cidade, a sessão inaugural de uma temporada prevista para durar 10 dias do Gran Circus Norte-Americano, na tarde do dia 17 de dezembro de 1961, já tinha atingido lotação máxima. Um público de 3 mil pessoas, a maioria crianças, aguardava para assistir o primeiro espetáculo quando um incêndio criminoso, cometido por vingança, acabou com toda a fantasia.
O fogo ateado na lona de nylon inflamável do picadeiro caía em gotas de chamas sobre o público. A tragédia matou cerca de 500 pessoas e deixou outras centenas feridas. Na época, a tragédia mobilizou médicos brasileiros e estrangeiros que uniram seus conhecimentos técnicos para ajudar no socorro e recuperação dos sobreviventes. 
Entre eles, o jovem cirurgião-plástico Ivo Pitanguy, aos 35 anos, que na época ministrava um curso na Santa Casa de Misericórdia. Quando na manhã daquela segunda-feira ele ouviu pelo rádio que havia acontecido um incêndio com centenas de vítimas em Niterói, largou o que estava fazendo.
“Lembro do impacto da notícia na segunda de manhã. Tinha comigo um serviço da Santa Casa de Misericórdia em que tinha um grupo de cirurgiões jovens que estavam fazendo curso de aperfeiçoamento comigo e então tive a ideia de reunir todos e criar um time que coordenasse tudo. E essa foi a nossa maneira de poder ajudar, já que tínhamos conhecimento em tratar queimados”, lembra.
Segundo Pitanguy, a maioria dos feridos eram crianças com pelo menos 70% do corpo todo queimado. Por falta de leitos, somente os considerados gravemente feridos foram internados. Os Estados Unidos forneceram 300 metros quadrados de pele humana congelada para ser usada no tratamento das vítimas, com procedimentos da cirurgia reparadora e estética. A equipe também ganhou o reforço de seis médicos argentinos.
“Sabíamos que podíamos ajudar, enquanto outros percebiam que a solidariedade era muito presente, até que esta ia desaparecendo e ficavam aqueles que estavam muito ligados intimamente à catástrofe. O grupo foi muito importante para continuar o tratamento das vítimas”, frisa, lembrando que os estudantes realizavam uma média de 300 a 400 curativos por dia e que para cada curativo, era ministrada uma anestesia geral.
As adversidades e os poucos recursos que o município tinha para atender à grande quantidade de vítimas não impossibilitou quem uniu a força da solidariedade aos conhecimentos práticos. O Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap) recebeu voluntários para doação de sangue, alimentos e medicamentos, arrecadados também em postos de coleta que foram espalhados por vários pontos da cidade.
O médico e presidente da Academia Fluminense de Letras, Waldenir Bragança, lembra que havia planejado sua ida ao circo com a família, mas que devido a alguns contratempos o passeio precisou ser adiado. Na mesma hora em que soube do incêndio e que amigos estariam entre as vítimas, ele foi ao local para prestar socorro.
 “A cidade estava um reboliço em meio a toda fumaceira. Eram gritos e um forte cheiro de carne queimada. Foi o impacto mais sofrido que eu tive que suportar. A dor era tão grande que nós esquecíamos de fazer as refeições”, relembra.
Segundo ele, na época não havia recursos necessários. “Mas o que foi feito, certamente foi o maior gesto de solidariedade humana que pude assistir. E a isso devemos agradecer também ao auxílio dos veículos de comunicação, que mobilizaram toda a população. Que estes 50 anos completados no próximo dia 17 de dezembro possam servir para que as cidades se estruturem e estejam preparadas para evitar acidentes como esses”, alerta.
Devido ao elevado número de vítimas, no Instituto Médico Legal (IML) de Niterói já não havia mais espaço para corpos. Os cadáveres recolhidos precisaram ser armazenados nas câmaras de estocagem de carne bovina em um armazém das Indústrias Frigoríficas Maveroy.
Comovido com a tragédia, o então Papa João XXIII rezou missa pelas vítimas e chegou a doar 500 milhões de cruzeiros. A cidade ficou traumatizada e só voltou a abrigar um circo 14 anos depois.
Das cinzas, a profecia
“Eu recebi o chamado de três vozes astrais para deixar o mundo material e viver o mundo espiritual na Terra. Eu deveria vir como São José para representar Jesus de Nazaré na Terra, foi o que mentalizei”, explicou o empresário do setor de transportes de cargas no Rio José Datrino, seis dias após a tragédia.
Ele pegou um de seus caminhões, foi para o local do incêndio consolar os que tinham perdido suas famílias levando mensagens de gentileza e paz. Sob as cinzas do circo, ele plantou um jardim e uma horta que passou a ser sua morada por quatro anos. Daquele dia em diante, passou a se chamar José Agradecido ou Profeta Gentileza.
O profeta passou o resto da vida distribuindo flores e pregando mensagens de amor, paz e esperança que foram imortalizadas nas pinturas feitas nas colunas do Elevado do Gasômetro, Viaduto da Perimetral, preservadas até hoje pela Prefeitura do Rio como patrimônio daquela cidade.
Marcado na memória
Durante exposição itinerante sobre os 500 anos do Brasil, feita no Laboratório de História e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2000, o historiador e diretor do arquivo público do Estado do Rio, Paulo Knauss, observou que uma pequena foto do incêndio exposta ainda chamava a atenção do público de Niterói.
Com um grupo de 10 alunos e uma professora da UFF, Ana Maria Mauad, a equipe trabalhou durante um ano inteiro no resgate da história da tragédia, que fez de Niterói uma cidade sem circo durante 14 anos.
Foram entrevistas e pesquisas em jornais da época, até se chegar à conclusão de que a cidade ficou estigmatizada com o sentimento de medo e dor. Do trabalho de pesquisa do grupo surgiu uma exposição sobre o impacto da tragédia na cidade de Niterói.
“Na exposição, pude perceber que as pessoas pediam para que uma foto, mais impactante, fosse retirada. Aquela foto me chamou a atenção e fez com que eu percebesse a necessidade de um tratamento mais cuidadoso ao abordar a memória do circo de Niterói. Ficou claro que ainda era viva a memória do circo nas pessoas que moram na cidade, mesmo após 40 anos”, conta Knauss.
A aposentada Ivone Pereira do Nascimento, de 81 anos, moradora de São Gonçalo, lembra que por pouco escapou da tragédia. Ela planejava assistir ao primeiro espetáculo com o marido e os dois filhos, mas desistiu por acreditar que por ser o primeiro dia de espetáculo, as arquibancadas estariam lotadas.
“As crianças estavam doidas para ir ao circo e meu marido aconselhou que deixássemos para outro dia. Mais tarde, ouvimos a tragédia anunciada no rádio. Era um sentimento de tristeza e alívio ao mesmo tempo. Passamos um grande um susto, pois sabíamos que uma vizinha tinha ido ao espetáculo com seus dois filhos e que infelizmente ela estava entre as vítimas. Uma das crianças que estava com ela acabou morrendo”, lembra emocionada.
No próximo dia 17, em homenagem às vítimas do incêndio, haverá o lançamento de um memorial na Policlínica Militar de Niterói, no Centro, que funciona no local onde ficava o circo. O evento é aberto ao público e está previsto para acontecer às 11 horas, no jardim da Policlínica.

Fonte: O FLUMINENSE

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